Por Georgia Nicolau, fundadora e diretora no Instituto Procomum, além de pesquisadora, entusiasta e facilitadora de processos coletivos para transformação social também é integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.
"É também porque estamos vendo que as árvores estão crescendo. Sim, é uma imagem muito significativa. Porque dá muita emoção. Porque é emocionante voltar aos lugares onde quase juramos que devido à pandemia, as árvores não estariam mais lá. Porque a terra não era rica o suficiente para lhe dar. Não tem chovido tanto, ou seja, tínhamos em mente um imaginário ou uma imagem desastrosa do lugar. E voltar lá, e ver que já estavam muito mais altas que nós foi muito emocionante. Sua pele vibra novamente e você diz 'Ah! Vamos fazê-lo mais um ano! Né?" (Ingrid Estrada, ativista mexicana, guardiã da terra e apicultora)
Escutei Ingrid quando coletava sua entrevista para uma publicação sobre ação coletiva na América Latina. Ela é parte de um coletivo que cuida de uma floresta no México. Pessoas que se uniram para gerir, cuidar e proteger um recurso comum.
Boa parte do pensamento econômico dominante, que determina as políticas econômicas globais, é baseada na crença de que os seres humanos são incapazes de cooperar para a gestão de determinado recurso ou processo e para a produção de soluções para uma vida em comum. Por isso, é tão importante o trabalho da pesquisadora estadunidense Elinor Ostrom, primeira mulher e uma das duas mulheres que ganhou, até hoje, o Prêmio Nobel de Economia.
Filha da época da Grande Depressão dos Estados Unidos (1929), Ostrom nasceu em 1933 na cidade de Los Angeles e cresceu aprendendo a plantar vegetais no quintal e a costurar roupas para os soldados que iam à guerra. Primeira da família a frequentar uma universidade, a pesquisadora fez carreira nas Ciências Políticas e abriu caminho, junto com seu companheiro Vincent Ostrom, para uma rede de pesquisadores que, ao invés de escreverem sobre Economia fechados em suas salas, foram a campo escutar e observar as pessoas, viver entre elas e coletar dados empíricos sobre como as comunidades se auto-organizavam em torno de atividades como gestão da água, pastos ou atividades de pesca, em que os recursos eram compartilhados por um determinado grupo de pessoas. Seu grupo de pesquisa e a associação [1] que ela fundou seguem ativos até hoje.
Em sua pesquisa, que foi laureada com o Prêmio Nobel em 2009, a pesquisadora estadunidense desafiou um consenso – muito arraigado entre economistas, legisladores e políticos – de que um dado recurso natural sem regulação do Estado ou do Mercado seria usado até seu esgotamento. Um dos mais famosos artigos a que ela se refere é o do ecólogo Garret Hardin [2], sob o título "A tragédia dos Comuns", publicado em 1968 na Revista Science. Sobre essa forma de pensar, Ostrom (1990) escreveu que pesquisadores como Hardin frequentemente desejavam “invocar uma imagem de indivíduos indefesos capturados em um processo inexorável de destruição de seus recursos próprios”.
Hardin e outros economistas desenvolveram suas teorias a partir desse pressuposto provavelmente por sua ignorância em relação à vida da maioria das pessoas do planeta. A maior parte das pessoas depende dos recursos e umas das outras para sobreviver. Curiosamente, essas premissas se espalharam, e seguimos reféns de um pensamento obtuso, no mais literal sentido da palavra, que parte de assunções baseadas em crenças limitadas.
Elinor Ostrom foi a campo produzir pesquisas que demonstraram que a tal tragédia, dada como certa, não acontecia em muitos casos, porque as pessoas envolvidas construíam seus próprios acordos e regras e eram capazes de aprender a cooperar com o tempo. Mais que isso, ela demonstrou que recursos geridos por comunidades são mais sustentáveis, ambientalmente e economicamente, do que recursos estatizados ou privatizados.
E o que isso tem a ver com uma cultura de doação? Tudo! Um dos pilares da doação é acreditar no outro, confiar que aquela pessoa ou organização sabe o que está fazendo. É interessante pensar em quais pressupostos levamos em conta para saber se confiamos ou não no outro. O que nossos pressupostos e juízos dizem sobre nós? De onde eles foram construídos? Quando conheci a obra de Ostrom, foi principalmente isso que me encantou. A história das instituições, e a história de quem tem poder em nossa sociedade é forjada por ideias que lhes dão sustentação. Que ideias são essas? Seriam elas as únicas disponíveis para tomarmos decisões tão importantes, capazes de gerar transformações gigantescas?
Sem a pretensão de aprofundar esses complexos sistemas de sentir, perceber e pensar o mundo, faço um convite para pensarmos um caminho de construção coletiva para a mudança social como um caminho aberto ao movimento, à libertação e à expansão de mundos. Pensar a doação sobretudo como uma forma de relação, mas também como possibilidades de existência e de relação com a alteridade.
Bibliografia
[1] International Association for the Study of the Commons (IASC)
[2] Garrett James Hardin (21 de Abril de 1915 – 14 de Setembro de 2003) foi um ecologista pioneiro no estudo dos impactos da população humana sobre a Terra. Seu artigo A Tragédia dos comuns, publicado em 1968 na revista norte americana Science, foi um marco importante para as discussões sobre formas de preservação e gestão de recursos compartilhados, tendo sido utilizado como argumento para a privatização de bens de uso comum, assim como alvo de críticas de trabalhos importantes como a Nobel de Economia Elinor Ostrom e o ambientalista Derrick Jensen, que afirma que em vez de tragédia dos comuns, o artigo deveria se chamar Tragedy of the Failure of the Commons (Tragédia da Falha dos Comuns – tradução livre). Isso se dá porque o pasto fictício que Hardin analisa não era propriamente um Comum, e sim uma zona livre de regras e negociações possíveis entre as pessoas. Hardin é listado pela Southern Poverty Law Center como um adepto do nacionalismo branco, com publicações "francamente racistas e etnonacionalistas". Com informações de: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Garrett_Hardin>. Acesso em: 23 set. 2021.
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