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Rico de quê? Pobre de quê? A riqueza de entrar em relação


Turma do movimento #dejardimajardim, que faz pontes através da música, no estúdio da A Banca Jovem (arquivo pessoal).


Por Tatiana Piva, artista, enlaçadora de mundos, ativadora de redes, consultora e facilitadora de processos em Desenvolvimento Social. Membro do movimento #DeJardimaJardim, de construção de pontes através da música, e do Movimento por uma Cultura de Doação. Hoje faz parte da iniciativa Teko Porã, um território de aprendizagem, encontro e criação..



Publicado originalmente no Vozes do MCD*


Para ler ouvindo: De jardim a jardim 🎶


Em um dos encontros do Despertar – programa de formação de lideranças para o ecossistema da Cultura de Doacão – Gisele Sanglard contou a história da filantropia no Brasil a partir da biografia de Guilherme Guinle, um filantropo que viveu no Rio de Janeiro no início do século XX. Me chamou a atenção, na história dele, o fato de que suas escolhas de doação eram baseadas em relações de confiança. Mais que isso, foi a partir de um relacionar-se mais próximo que a confiança pôde brotar e permitir que grandes feitos fossem realizados.


Muito tem sido falado sobre a importância do resgate da confiança nas relações de doação, e a história de Guinle nos deu uma pista nessa direção ao trazer o relacionar-se, a proximidade, a conexão.


Aqui podemos dar um passo além. Para caminharmos rumo a uma regeneração social em um país cindido como o Brasil, ampliar e alimentar conexões entre pessoas de diferentes situações econômicas, sociais, de raça e culturais é essencial não apenas para a filantropia, mas para a sociedade como um todo.


Cultivar relações de confiança implica deslocar-se: sair da zona de conforto, adentrar outros mundos e deixar-se afetar pelo diferente. Como fazer isso num país desigual como o Brasil?


Trago aqui mais um aspecto. Sabemos que, enquanto uma maioria da população sofre diversas privações, existe uma minoria que vive uma situação bem diferente. Quem cresce numa situação financeira favorável tem acesso a oportunidades, recursos, contatos, consumo, além de moradia, educação, saúde e alimentação de qualidade. Ao mesmo tempo, com frequência, quanto mais subimos na pirâmide social, mais percebemos nas pessoas algumas lacunas no desenvolvimento de habilidades sociais como resiliência, criatividade, iniciativa, cooperação, empatia, vida em comunidade e atuação em rede. Ficam faltando habilidades como a 'sevirologia' - termo cunhado por Reinaldo Pamponet que se refere à arte de se virar com o que tem. Quem nunca precisou correr atrás para pagar um aluguel, ou pedir uma xícara de arroz à vizinha, tem menos chance de desenvolver essas habilidades.


Não por acaso, são justamente essas habilidades e saberes que observamos em abundância na população periférica e desfavorecida. Muitas vezes, o que de um lado falta, do outro lado sobra, e vice-versa. Além de necessários, encontros entre diferentes podem ser potentes campos de aprendizagem, troca e criação para todos os envolvidos, indo além das transações financeiras, onde se reconhecem e valorizam as riquezas, saberes, dores e desafios de todos os envolvidos.


É importante não romantizar: encontros dessa natureza nem sempre são fáceis e confortáveis. Ficamos cara a cara com camadas e camadas de estereótipos, preconceitos, séculos de marcas e feridas de uma sociedade injusta e desigual. Demanda tato, escuta, empatia e cuidado. Mas, como diz Suely Rolnik, é preciso sustentar o mal-estar e o nó na garganta para que algo precioso possa acontecer: pessoas se transformem, mundos se alarguem, perspectivas se ampliem, germens de mundo se instaurem, novos impulsos surjam… e assim novas realidades se criem.



* O Vozes do MCD é um espaço onde integrantes do Movimento podem compartilhar experiências e reflexões sobre doação. As opiniões expressas nos textos publicados não necessariamente refletem o posicionamento oficial do MCD.

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Produzido pela equipe do Movimento por uma Cultura de Doação 2024

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