Por Kimberly Carvalho, integrante do Movimento Cultura de Doação

Durante meus três anos de atuação no terceiro setor, tive a oportunidade de trabalhar diretamente com doadores. Minha experiência, tanto na captação de recursos face-to-face (F2F) quanto no relacionamento com doadores, me permitiu ouvir histórias, anseios, reclamações e motivações de quem decide doar. Essa vivência sensorial me mostrou a diversidade de perfis de doadores e me fez refletir sobre o que realmente move as pessoas a contribuir com causas sociais. Hoje, quero compartilhar essas reflexões e discutir como podemos promover uma cultura de doação mais sólida e engajadora a partir da visão dos doadores como principais promotores da cultura de doação e refletindo sobre formas de incentivá-los a se apropriarem desse espaço.
Mas, afinal, o que é cultura de doação? O que queremos alcançar ao disseminá-la? Que as pessoas doem mais? Que doem de forma consciente e contínua? A cultura, em seu sentido mais amplo, está ligada a valores compartilhados por um grupo ou sociedade. Portanto, promover a cultura de doação significa por essência desenvolver e fortalecer valores que incentivem as pessoas a doarem. E, para isso, precisamos entender quais são os valores que já permeiam aqueles que doam e como podemos ampliá-los.
Em minha atuação como captadora de recursos e, atualmente, como assistente de relacionamento, percebi que o altruísmo é um valor central para os doadores. Ele não só motiva a primeira doação, mas também sustenta o compromisso a longo prazo. Em muitos casos, o senso de altruísmo é até mais forte do que a causa específica para a qual a doação é destinada. Isso porque o altruísmo está conectado ao senso de si próprio. Ou seja, é um valor com poder de autoafirmar benevolência e que supostamente sustenta o não egoísmo.
O Doador no Centro da Promoção da Cultura de Doação
Tornar os doadores o centro das estratégias de arrecadação de recursos é algo comum. Os captadores exploram o senso do altruísmo pessoal autopercebido que a doação pode gerar para captar e reter mais doadores. Essa é uma das ações de marketing comuns ao nosso meio, os famosos gatilhos. Na promoção da cultura da doação não precisa ser totalmente diferente, os doadores também podem ser protagonistas.
Precisamos dar voz a quem doa, ouvindo suas motivações, experiências e desafios. Eles são os maiores porta-vozes da doação e podem nos ajudar a construir narrativas mais autênticas, engajadoras e com autoridade.
Na captação de recursos, os doadores muitas vezes recebem um tratamento "adulador" por parte das organizações. Mas acredito que em vez de apenas prestar conta, podemos tornar os doadores os aduladores da nossa causa e verdadeiros promotores ávidos da doação. A estratégia amplamente conhecida "Donor get donor" (doadores que trazem doadores) é poderosa, pois além de mobilizar recursos, valoriza e normaliza o altruísmo na nossa sociedade. A ideia é que todos estejam interessados no bem comum.
No entanto, podemos encontrar algumas barreiras quando a intenção é tornar os doadores promotores da cultura de doação. Uma delas é o constrangimento que algumas pessoas sentem ao falar sobre suas contribuições, seja por medo de parecerem se exibir ou por receio de críticas. Ou seja, a autopromoção pode não ser bem-vista pela sociedade. Muitos doadores então desejam manter seus donativos em sigilo, e doam de forma discreta a fim de não se auto vangloriar sobre as boas ações feitas.
Na estratégia dos doadores como centro da promoção da cultura da doação, torna-se uma tarefa demonstrar que a discrição no ato de doar pode limitar o alcance de novas doações, e que na verdade é prestigiável o compartilhamento dos doadores sobre suas experiências na doação, inspirando outros a fazer o mesmo. Significa dizer que deve haver um esforço em reverter a ideia de que falar sobre suas próprias doações é autopromoção, mas é sim um ato de altruísmo digno.
Como dito, o altruísmo, como valor central, pode ser a chave para engajar mais pessoas. No entanto, desenvolvê-lo de forma geral não é uma tarefa simples, especialmente em uma sociedade marcada pelo individualismo e pelo utilitarismo. A cultura de doação, nesse sentido, é um movimento que vai contra a corrente. Mas podemos usar essa realidade a nosso favor.
Por exemplo, podemos mostrar que o altruísmo não precisa ser apenas empático e genuíno; ele também pode ser motivado por razões auto compensatórias ou até pelo desejo de status social. Ao incentivar os doadores a falar abertamente sobre suas doações, estamos não apenas valorizando seu gesto, mas também transformando-o em um exemplo a ser seguido.
Quem publica que doa não está sendo vaidoso ou arrogante. Pelo contrário, está assumindo um papel ativo na promoção do altruísmo. Ao compartilhar sua experiência, o doador convida outras pessoas a fazerem o mesmo. Ele deixa de ser somente um agente que contribui com recursos próprios e se torna também um multiplicador da cultura de doação.
Envolvendo os Doadores na Promoção das Causas
Na captação de recursos F2F, uma vez, parei uma mulher na rua que decidiu doar para uma causa humanitária porque sua mãe sempre a ensinou, desde pequena, a importância de ajudar o próximo e a mãe dela doava há anos para a mesma organização. No relacionamento com os doadores, eu já tive várias oportunidades de ouvir pessoas que resolveram doar porque amigos próximos mostraram a relevância do trabalho.
Esses exemplos ilustram como a educação e o exemplo podem influenciar positivamente a cultura de doação. Por isso, acredito que devemos envolver os doadores de forma mais ativa, não apenas como financiadores, mas como promotores da causa da doação. Envolvê-los desmistificando que testemunhar sobre a solidariedade não é autopromoção vazia e sem propósito, mesmo que o incentivo por nossa parte fundamente-se na valorização da percepção do doador sobre si mesmo.
Ao incentivar os doadores a falar sobre suas motivações e experiências, estamos fortalecendo o valor do altruísmo e mostrando que a doação vai além da transferência de recursos materiais. É um ato que conecta pessoas, causas e comunidades.
Promover a cultura de doação é um desafio complexo, mas também uma oportunidade única de transformação social. Ao colocar os doadores no centro dessa promoção, valorizando seu altruísmo quando suas histórias influenciam outras pessoas, podemos criar um ciclo virtuoso de generosidade.
Não se trata apenas de doar, mas de inspirar outros a doar. Não se trata apenas de ajudar uma causa, mas de construir uma sociedade mais solidária e consciente. E, nesse processo, cada doador tem um papel fundamental. Afinal, ser altruísta não é apenas doar, é também ajudar a tornar outras pessoas altruístas.
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