Por Diane Pereira Sousa, presidenta do Instituto Baixada e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.
Gosto de fazer escritas chão. Aterrissar meu pensamento em territórios. Esse texto era pra ser outro, mas uma mensagem no grupo do Whatsapp do MCD mudou tudo.
Entre tantas coisas tinha uma mensagem que perguntava: Pobres são mais solidários e generosos proporcionalmente com seus recursos?
Antes de continuar essa linha de raciocínio inicial quero dizer que escreverei várias notas de canapés por aqui. Para quem não sabe o que significa nota de canapé indico o livro variações sobre o prazer de Rubem Alves.
Existe uma comunidade na cidade de Peri Mirim, interior do Maranhão chamada Inambu, lá uma família que não é abastada construiu um açude, um pedaço de terra que se transforma em uma piscina natural, com metade da ação humana e metade da natureza. Nesse espaço é possível criar alguns tipos de peixe. Pois bem, Dona Lurdes, matriarca da família, investe 10% do que ela ganha mensalmente na manutenção desse açude. Dona Lurdes, está afastada do diálogo sobre filantropia, mas o que ela faz é o que muita gente queria que acontecesse com os mais ricos do Brasil.
O movimento de Dona Lurdes arrastou toda sua família para o processo, que arrastou toda a comunidade. O movimento fortalece a cultura e a cultura não deixa que o movimento enfraqueça. Tem um sentimento de compromisso aqui.
O açude é comunitário, todos doam na proporção da necessidade coletiva, de repente não mais que de repente mais de 100 famílias contam com um espaço permanente que viabiliza comida para seus pratos.
Nota de canapé: Existe um compromisso profundo com o viver, por estas bandas as pessoas conversam com a vida.
Nas relações que se estabelecem, ali existe uma que considero extremamente importante, tem uma geração convivendo com o ato de doar da forma mais potente possível para aquele espaço. Acontece o ato e sua irradiação.
Existe um fundo sem a classificação de fundo nessa comunidade, matches acontecem o tempo inteiro, o doar se transformou em um fazer cotidiano, mas esses nomes não estão no dicionário desse lugar.
O que eles fazem se chama de bem viver...
As pessoas empobrecidas da comunidade do Inambu são solidárias e generosas com seus recursos de forma proporcional. Porque a lógica de criação da comunidade é a solidariedade. Não vamos cair no abismo que essa palavra solidariedade pode criar, neste caso estamos longe da falácia da caridade. Aqui não se doa porque sobrou, aqui se doa porque se tem um entendimento de necessidade do outro para o coletivo. A empatia eleva esse grau de entendimento e pertencimento porque me faz ultrapassar a cerca, eu não apenas estou no espaço com o outro, como também estou no outro.
Nota de canapé: já imaginou se São Luís fosse Inambu? É o sonho que mantém a possibilidade viva.
Certamente para avançar nessa agenda é preciso reconhecer que não há uma fórmula mágica para construir doação, mas existem fazeres diários sobre ela, que podem estar ancorados em uma mesa de escritório em São Paulo ou em um pé de manga em Inambu.
Doar não é um ato isolado e nem de limpeza de consciência, há muito que se aprender com as comunidades sobre isso. Doar entre muitas outras coisas é também um exercício contínuo de enxergar pessoas e territórios como parte de mim e portanto pautá-los como meu problema ou meu orgulho.
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