Por Marina Pechlivanis, sócia da Umbigo do Mundo, idealizadora da primeira plataforma brasileira de Educação para Gentileza e Generosidade, mestra em Comunicação e Práticas de Consumo, professora de pós-graduação e autora dos livros Gestão Sistêmica para um Mundo Complexo e Economia das Dádivas, entre outros 20 títulos; e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.
Publicado originalmente no Vozes do MCD*
Há quem acredite que, com tantos bons motivos para pensar diferente hoje em dia, sabe mais, tem mais, pode mais, decide mais, está acima dos demais. Que os problemas do mundo “não são problemas meus” pois “tenho mais o que fazer cuidando das minhas coisas”, e que “alguém que resolva isso pois não fui eu que comecei”.
O que é isso? Ignorância.
O desconhecimento da existência do “entrelaçamento complexo”.
Vivemos em fluxos contínuos multidimensionalmente interligados, em que tudo interfere em tudo. E estamos integrados em redes de redes, um complexo entrelaço de interdependências cuja dádiva está na sabedoria com que se pode aproveitar estas relações, extremamente sofisticadas, para tecer potentes redes de aliados visando a sobrevivência coletiva sustentável a partir da consciência das corresponsabilidades: para tudo ir bem, todos precisam estar bem. Isso vale para moluscos e micróbios, para jardins e florestas, para átomos e neurônios; e deveria valer no mundo dos relacionamentos humanos em todos os seus âmbitos, mas ainda não alcançamos este nível de conscientização.
Se passarmos os olhos sobre a lista dos problemas, há um aspecto deles que logo se torna evidente: esses problemas são interligados e se sobrepõem parcialmente. É claro que a solução de um problema tem muito a ver com a solução de outro. São tão interligados e imbricados de fato que não é de modo algum claro por onde devemos começar. Suponhamos, por exemplo, que concebemos a ideia de que o primeiro problema a ser solucionado é o de alimentar, abrigar e vestir adequadamente todos os habitantes do mundo. Como começaríamos a resolver este problema? A capacidade tecnológica existe. Podemos produzir o alimento necessário para chegar a este resultado e os materiais de construção que ofereceriam abrigo e os tecidos que vestiriam cada individuo. Então por que não fazemos isso? A resposta é que não estamos organizados para fazê-lo.” C. West Churchman [1]
O que faz tudo funcionar é uma cadeia de (inter)dependências e relações de confiança com as quais se tecem as redes, que são “o conjunto das pessoas com quem o ato de manter relações permite conservar e esperar confiança e fidelidade”, fenômeno que existe desde sempre e que é a base da construção do laço social, segundo Allan Caillé [2].
Perdemos tempo selecionando, classificando, incluindo e excluindo, quando “Tudo consiste em redes de redes. Criamos esquemas hierárquicos de sistemas maiores e menores, mas essa é uma projeção humana. Na natureza, tudo está aninhado”, nas palavras de Fritjot Capra e Pier Luigi Luisi [3].
Celebramos e reforçamos o sucesso de uns em detrimento de outros, porém “Nossa tarefa é clara: criar economias que promovam prosperidade humana numa teia de vida florescente, de maneira que possamos prosperar em equilíbrio”, reflete Kate Haworth [4].
Transformamos a complicação em negócio para vender a solução, mas “Tudo é solidário. Se você tem o senso da complexidade, você tem o senso da solidariedade. Além disso, tem o caráter multidimensional de toda a realidade”, conclui Edgar Morin [5].
Muitas vezes promovemos e defendemos os nossos direitos e nos esquecemos dos nossos deveres. Exigimos ser respeitados, mas nem sempre tratamos as outras pessoas com o devido respeito. Esperamos que os outros sejam generosos, gentis, compreensivos, mas nem sempre nós o somos. Exigimos a visão do todo, mas só enxergamos a nossa parte. E o que fazemos — ou não fazemos — para o outro, paradoxalmente, estamos fazendo — ou não fazendo — para nós mesmos.
Desenrolando isso tudo em uma mensagem só: nesta vida, os laços das redes são feitos por nós, fortalecidos por nós, compartilhados por nós. Não existe eu que não esteja entrelaçado a você, à comunidade e ao planeta. Somos todos corresponsáveis. Fique ligad@ nisso e faça alguma coisa.
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[1] CHURCHMAN, C. West. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2015. Damásio, António R. O erro de descartes. Emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
[2] CAILLÉ, Alain. Antropologia do Dom: o terceiro paradigma. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
[3] CAPRA, Fritjot, e Luisi, Pier Luigi. A visão Sistêmica da Vida. Uma comcepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, 2014.
[4] RAWORTH, Kate. Economia Donut. Uma alternativa ao crescimento a qualquer custo. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.
[5] MORIN, Edgard. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Sulina, 2015.
* O Vozes do MCD é um espaço onde integrantes do Movimento podem compartilhar experiências e reflexões sobre doação. As opiniões expressas nos textos publicados não necessariamente refletem o posicionamento oficial do MCD.
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