Por Daiany França Saldanha 🏳️🌈✊🏿 , cearense inquieta, empreendedora social, mestra em mudança social, consultora, mentora, pesquisadora do Terceiro Setor e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.
“Não se preocupe, Daiany, aqui está todo mundo acostumado a se ajudar.”
Nialysson Luiz Batista, líder de um projeto na comunidade de Portelinha, situada no bairro Ponta de Matos, em Cabedelo-PB, foi quem me disse essa frase. Após um ano duro, cheio de aprendizados, suas palavras me atravessaram profundamente.
A parte “aqui está todo mundo acostumado a se ajudar” reflete a essência da verdadeira doação, caracterizada pela solidariedade e a disposição de ajudar sem esperar nada em troca.
Como é sabido, a doação transcende o ato de dar algo material. Ela simboliza um compromisso com valores como empatia, cooperação e cuidado mútuo. Na comunidade de Portelinha, essa realidade se manifesta diariamente, apesar das famílias viverem em situação de ocupação, enfrentando vulnerabilidades e riscos constantes. As pessoas não se limitam a compartilhar o pouco recurso que têm, mas também doam tempo, esforço e, principalmente, um senso de responsabilidade coletiva.
Num típico dia de sol escaldante, com 33 graus, após a festa de emancipação política de Cabedelo, a comunidade de Portelinha se preparava para um grande evento esportivo na Arena Miramar. A cidade, ainda sonolenta pela celebração anterior, despertava lentamente, enquanto já estávamos na arena para a pré-produção do evento. Com o efetivo da prefeitura comprometido com outras tarefas urgentes, a limpeza da Arena ficou em segundo plano. Nesse momento, olhei para um lado e outro, vi aquela imensidão de espaço cheia de entulho e lixo, e senti um leve desespero.
No entanto, foi nesse momento que a filosofia de doação, inerente a comunidades como a de Portelinha, brilhou intensamente. Liderados por Nialysson, os moradores se reuniram, não por obrigação, mas por um entendimento compartilhado de que juntos, eles têm o poder de fazer a diferença. Eles jamais permitiriam que a comunidade deles fosse “mal vista” por quem “vem de fora” (sic).
Essa lição é valiosa, especialmente no contexto de investidores sociais em todo o mundo. Enquanto a doação é frequentemente vista em termos de grandes gestos, muitas vezes atreladas a burocracias e formalidades, Portelinha nos mostra que as doações mais impactantes muitas vezes ocorrem por meio de ações cotidianas, espontâneas, desprovidas de complexidades burocráticas. Essas ações, embora pequenas em escala, são imensas em significado e impacto local. Elas representam a base para construir e sustentar uma comunidade solidária, e esta construção se baseia fundamentalmente na confiança.
Como Diane Pereira Sousa trouxe em seu artigo para o “Vozes do MCD”, “É preciso que vocês nos vejam como potências, não como corpos subalternos necessitados por natureza.”. Esta perspectiva faz toda diferença. A doação deve ser um ato de reconhecimento e valorização da força e potencial de cada comunidade.
Reitero: essa é a verdadeira essência da doação – não apenas a transferência de bens, mas o compartilhar de vida, esperanças e sonhos. Portelinha exemplifica que, ao doar confiando na potência, tecemos os fios de uma comunidade mais forte e resiliente.
Assim, encerro este artigo convidando a todas e todos para que em 2024 adotemos essa filosofia de doação, que valoriza a simplicidade e a confiança. Aprendamos com o exemplo de Portelinha e incorporemos essa generosidade e solidariedade, livre de burocracias em nossas vidas e comunidades. Assim, não só ajudamos os outros, mas também fortalecemos nossas próprias vidas com mais significado e conexão.
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